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ONDE ESTOU? |
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Olho para os lados, não reconheço nada. | ||||
Embaixo, o chão, não vejo
nada. Não existe nada. Lanço meus olhos por cima de torres de ladrilhos e cimento que não estão mais lá. Quero ver as montanhas que escondiam atrás de si pequenas cidades, umas juntas as outras como cúmplices numa trama secreta. |
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Paredes nuas, adobes à vista, ruas de
terra... Nada. Nem montanhas, nem torres, nem cidades, nem ruas. — Onde estão? onde estarei? que lugar é esse? Olho de novo. Nada. Talvez o leste. |
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— Que delícia de ideia! Ah, o velho Sol,
sempre lá, muito antes de tudo, sempre lá. Mas aonde fica o leste? de que lado é o leste. Onde a luz do sol amanhecerá e expulsará a noite? |
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O leste tem o cheiro de águas abissais. Ondas cantam, espumas. Quase posso senti-las no vento... Que vento? que cheiro? que oceano? Não há nada, em direção alguma. Mas o que há de errado comigo? O que há de errado? Meu corpo é leve. Acho que posso voar! isso é um sonho? para aonde vou? Parece que ando. |
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Meus pés não param. Minha alma gira. É como... a morte. Meu Deus, estarei morto, frio? na escuridão? Talvez isso explique tudo... O leste que não mais existe, o Sol que esfriou-se, as águas que não posso mais sentir. É isso então? |
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Terei morrido de morte tão inesperada que nem a vi sorrateira em cada cigarro, em cada curva a 160, em cada amor perdido? |
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E o que virá agora? para aonde irei? haverá no meu velório, ao redor do meu caixão, algum padre e seus terços? a lançar gotas bentas? |
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Haverá lágrimas de carpideiras no paletó
em meu peito? Não quero que apareça nenhum ateu pra dizer ‘Só ele é que não sabe que tá morto!’. Não, não deixem entrar nenhum ateu, por favor! Ateu não. Uma ateia boazuda talvez... mas ateu não! |
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Também não quero choro, por favor, nada de histerias, gente se jogando no caixão. Por favor, isso é um horror. Me livrem daquela também ‘Passou dessa pra melhor’. Não digam isso, eu reitero encarecidamente. Já que estou morto deixe-me pelo menos partir com dignidade. Nada de baixarias, já basta a morte ter me arrebatado à traição, sem aviso nenhum, pelas costas, sem sequer me dar chance de defesa. |
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Chance de defesa... |
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Eu quero ter outra chance. Preciso de outra chance. Mas não quero ser um fantasma a assombrar casas velhas com correntes e uivos idiotas. Não. Eu quero minha vida de volta. Eu preciso de minha vida de volta... e quando olhar para leste quero ver o Sol e as Águas. Quero sentir o cheiro de todas as coisas e quero por perto todas as pessoas que amei... |
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O que posso dizer? o que posso dizer neste momento? Que me arrependo das tantas bobagens que fiz? de todas elas? ou que não arrependo de nada? nada que tenha feito. Talvez a primeira reação de todo morto seja esta. Olhar para os lados, não ver nada e pensar nas coisas ruins que fez pela vida inteira até que a luz – ou as sombras – o leve para algum lugar definitivo... |
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Um lugar definitivo. É tudo que a morte é, um lugar definitivo. |
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Mas acho que vou acordar, é só um
pesadelo. É isso. É lógico, vou acordar, sair desse estupor, abrir os olhos e respirar o ar fresco da manhã! É isso que vou fazer! o ar fresco da manhã. |
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Mas... que manhã? | ||||
. | |||
volta
sobe . | |||
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