* Crônica
VOCÊ ME AMA?
É
disso que se trata toda paixão. Entrega total e
sem remorsos.
Pelo menos é o que se espera.
Mas aí vêm as más línguas, os pessimistas, os
realistas e os concretistas, e por fim, os
invejosos!
Então, o que seria apenas uma bela e romântica
canção vira algo bem estranho ao misturar
na mesma taça o esquisito e o
encantador.
— Você me ama?
— Yes, i do.
— Você precisa de mim?
— ... like the rose needs the water.
Aí vem o sorriso dela, lindo, franco, aberto.
Na época apelidaram essa música de ‘Melô das Carentes’, porque a pobre coitada passa
o disco inteiro torturando o gajo apaixonado
‘Você me ama? Você precisa de mim? Você me ama?
Precisa mesmo de Mim??’
Por mais que o cara responda ‘Yes i do! Yes i
do! Yes i do!’ ela continua na mesma ladainha,
‘Você me ama? Você precisa de mim?’
E vai com aquele sorriso de moça apaixonada e
feliz sem se importar com o bloco dos Mal
Amados...
Acho
que os anos 60 revelaram o eterno jogo dos
Ingênuos x Espertalhões. Perpertuados como
vencedores e donos das riquezas os Espertalhões
riram mais, gozaram mais e aproveitaram os
prazeres da vida mais do
que em qualquer outro momento em toda a história humana.
Contudo, só os estúpidos ainda acreditavam que
era por desígnio de deuses. E para aqueles que
duvidavam, empurravam-lhes goela abaixo as
ideologias políticas, as teologias e os
exércitos, só para fazê-los ver que 'contra a força
não há resistência'.
Lá, nos 60's, a droga era pintada de ‘Libertadora’, o Rock era
rebeldia contra o status quo dos espertalhões;
os americanos se achavam donos do mundo e os
russos tinham certeza de que eles é que eram. Os
militares brasileiros achavam que com os navios
de guerra e bancos americanos poderiam fazer um
grande governo e o povo feliz para sempre.
Alienígenas na Esquerda apregoavam, de si para
si, serem mais espertos,
mais inteligentes, mais libertos, mais Humanos,
mais competentes e mais glamorosos que ‘azelites’.
Os Kennedys achavam que podiam fazer o que
quisessem, e os ingleses tinham certeza. Elvis,
the Pelvis, era imortal e o Ei Ei Ei tinha
deuses, reis,
príncipes, princesas, aiatolás, bidus, vodus e
pitbulls... e os muçulmanos tinham certeza
que converteriam o mundo, ou explodiriam tudo.
Mas, o mais importante, nada era igual àquele
sorriso da moça apaixonada e carente de seu
amado.
Nada abalava aquela vozinha de amor
sussurrado, e nada parecia capaz de acabar com o
amor do mancebo apaixonado. ‘Te amo mais do
que consigo dizer’ jurava ele enquanto mandava
outra frase de efeito com os olhinhos cheios de ternura
‘Prefiro ferir a mim mesmo...’
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Quem nunca disse ou ficou tentado a dizer essas
tolices?
Umas bobagens que a gente fala e depois fica com
aquela depressão de quem... ‘acho que fiz papel
de bobo’. Nada! no outro dia vinha e falava
coisas até piores, porque é o Amor, é a Paixão. Por isso vale arriscar tudo. Até a vida.
‘Sem você eu posso até morrer’, quantas vezes e
em quantas músicas já ouvimos isso?
Línguas desconfiadas poderão dizer que 'o Amor,
às vezes, é um copo meio
cheio'... mas as danadas das más línguas retrucarão
‘Não! O amor é sempre um copo cheio... de veneno!’ E ainda dirão
mais, que só os tolos se apaixonam e que só os
muito burros arrumam parceiros sem dinheiro.
Ainda tem os cientistas: 'O Amor é só uma sopa
química que a natureza cozinha para preservar a
espécie.' É aí que o niilista sôfrego entra com
suas frases prediletas - e aqui seus sentimentos
se somam às impressões e desejos de
vingança de todos os mal amados em todos os
tempos e em todos os lugares do mundo:
O Amor é cego
O Amor dói
O Amor é sexo
O Amor destrói
E o Amor é ridículo
como um furúnculo
O Amor mata
e desmata
O Amor é sacanagem
O Amor é dinheiro
O Amor é bobagem
O Amor não existe
O Amor é tolice
O Amor é um vício
O Amor é um
desperdício
O Amor é um precipício
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Ingênuos
ou não, num belo dia ela passou por aquela
porta. ‘Tantos bares em tantas cidades em todo o
mundo e ela tinha que entrar logo no meu’. É
verdade, o amor também gruda e persegue; Humphrey Bogart que o diga em Casablanca
– o
filme que estreou em 1942 e nunca mais saiu de
cartaz, não acredita?
É um clássico em preto e branco tão sagrado que
se tornou intocável. Ninguém até hoje em
Hollywood, ou em qualquer outro lugar,
teve a coragem de refilmá-lo e correr o risco de
receber a maldição eterna do Oscar – ou seja,
ser ridicularizado e depois cair no
esquecimento...
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Casablanca é a mais populosa cidade de Marrocos,
com um pé no deserto e outro no mar, onde o americano
Rick aparentemente apolítico, meia
idade e meio deprê foi se esconder da guerra e
de um amor fracassado. Porém numa bela noite, o
Amor já conspirando contra ele, faz alguém passar
pela porta de seu bar nos confins do mundo. Sim,
ela. A razão de sua depressão, de seus dois
maços de cigarros por dia, de suas doses
horárias de álcool e do seu mau humor
eterno, Ingrid Bergman, IIsa no filme. Agora
casada com um sujeito procurado pelos nazistas.
É aí que ele suspira, ‘Com tantos bares no
mundo...’
Só que a garota da nossa música, aquela lá do
início com seu sorriso arrebatador, suas botas
brancas, minissaia, a voz doce e murmurante,
também grudou no seu amado ‘Você me ama? Você
precisa de mim?’
E olha que nem precisou de uma guerra para
encontrá-lo, já que ele estava ali na sua frente
e sempre dizendo 'Yes i do' .
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O
nome dessa doçura em preto e branco é Evelyn
D'Haese, (Evelyn Marie Haese) uma gatinha belga
que veio, encantou e desapareceu. Backvocal de
estúdio, foi convidada para a gravação dessa
única canção que acabou virando hit e cult do
romantismo ingênuo da época.
Há um pega acalorado na rede sobre o que foi
feito da Evelyn. Uns dizem que morreu aos 73
anos em 2009, mas outros fizeram cálculos também
baseados em um monte de suposições e chegaram à
conclusão que se isso fosse verdade ela teria
mais de 40 anos ao gravar esse vídeo. O que
evidentemente não bate.
Seja lá qual o destino da Evelyn, essa gata
miante, dengosa, meiga e carente, representou
bem o papel da mocinha apaixonada dos anos 60 –
os anos que, como se diz, nunca acabaram.
A pobrezinha amou de paixão com todo o sentimento
e ternura que se amam os tolos, os bêbados, os
loucos e os perdidos. Mesmo que as vozes roucas e agudas dos crus e
cruéis sigam gritando 'Como pode
alguém se perder assim? Como pode alguém amar
assim? Isso não é Amor! É Escravidão! Lá vai
mais um escondendo a cara de vergonha! É um
Escravo do Amor!!
'
No clip de 'Você Me Ama?' outra polêmica
promovida pelas línguas mais ferinas,
os crus e cruéis, é sobre o casal que dança
agarradinho ao fundo.
Há um simbolismo forte ali. Um casal jovem,
risonho e cantante passeia de mãos dadas
enquanto ao fundo outro casal mais velho dança,
bochecha com bochecha, num amor e carinho sem
fim.
É lindo isso, não? O Amor atemporal. Os amantes
apaixonados pela eternidade felizes para sempre.
Só que não! É que o mal gosto e a bizarrice se
incorporaram ao vídeo quando o diretor do vídeo
teve a infeliz ideia de mandar o velhinho comer de verdade a flor na lapela da dama com a qual
ía dançando agarradinho.
—
O que isso quer dizer? perguntam as más
línguas.
O velho vai a deflorar a dama? mastigando assim
tão bestialmente a perseguida flor de sua
consorte? Por que essa violência? Estaria com
raiva da amada ou seria só tesão mesmo? Ou?... será que
a dama gosta mesmo de
meninos? Mas será possível?
Pegou tão mal esses trechos do clip que muita
gente preferiu cortar as cenas antes de
exibi-las. Encontra na rede diversas
versões desse mesmo vídeo onde há cortes
grotescos e até com aqueles malditos mosaicos
embaçados cobrindo o que não interessa ou o que
julgam impróprio.
Nossa janela acima mostra o clip original – pelo
menos enquanto estiver no ar: O velho manda ver
na flor, mastiga e engole com ferocidade
enquanto o casalzinho de pombinhos jura amor
eterno... É irônico, belo e burlesco ao mesmo
tempo.
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Mas,
quer saber? que se dane! não importa. O que
interessa é o Amor, é aquela sensação
maravilhosa de se estar ao lado de quem a
gente ama. O que importa é o amor gostoso da
transa quando se está com quem se ama. Nada é
melhor que isso!
Ouça esse seu velho estudante da matéria: Não
existe nada no mundo melhor que isso. Nem na
natureza, nem nada inventado pelo homem.
E quer mais? Sabe quando aquela amada passou
pela porta daquele bar prá lá de Marrakech? Foi
o amor... foi a cola, o grude do Amor.
Casablanca, Marrakech, Marrocos...
O grande amor de Evelyn na música é Sharif Dean,
cantor e filósofo diplomado. Ele a leva pela mão
num passeio enamorado, sem compromissos ou
remorsos como dois adolescentes apaixonados
caminham de mãos dadas numa tarde de domingo enquanto
andam, cantam e sonham. E ao fundo um casal mais
velho dança apaixonadamente como se o Amor se
eternizasse para além deles, da juventude à
velhice.
Adivinha onde nasceu Sharif Dean?
Casablanca,
Yes i do!
É lindo isso. O Amor é lindo, e não importa o
que dizem...
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