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Quando as coisas eram tão recentes que os países ainda nem tinham nomes, a Catalunha era terra dos Godos, e teria outros nomes que apareceriam e desapareceriam conforme o humor da natureza e dos homens. Várias guerras e humores depois, os godos, saídos das tribos alemãs que em certo tempo varreram a Europa e além, e que seriam os únicos em toda a história a derrotarem Roma, a superpotência da época, fixaram-se em definitivo nas terras que seriam conhecidas mais tarde por Espanha, Portugal, etc. É lógico que se misturaram às tribos locais, mas sua cultura, língua e histórias ficaram em canções, contos e corações, relembrados para sempre. Isso não é um tratado sobre história. Não me deterei sobre datação e sequências precisas temporais aqui. São apenas impressões pessoais, sem pormenores, a respeito da 'Catalunya Libre'.
Mesmo
porque,
as
datas
puras
em
seus
números,
nem
sempre
são
precisas,
Quer uma prova? Analise o seguinte: está lavrado que o Brasil foi 'descoberto' em 1500, correto? Então como se explica que seis anos antes, os portugueses assinaram um acordo com a Espanha, o Tratado de Tordesilhas, que rachava praticamente ao meio toda a América do Sul contemplando os espanhóis com o lado do Pacífico, e os portugueses com o bocado do Atlântico? Esse 'bocado' já deveria ter um nome, Brasil por exemplo, a partir daí, e não em 1500... Bom, seguindo em frente, a elite espanhola, mesmo nos dias de hoje, se sente superior por se achar descendente dos reis godos. Nem os mouros que dominaram a Espanha por séculos conseguiram abalar esse espírito de pujança. Dizem-se descendentes dos godos, mas dos bravos, porque os godos fracos teriam se instalados nas terras da hoje Suécia e região, sem nunca terem coragem de saírem de lá para se aventurarem pelo mundo. Isso faria dos Visigodos, que saíram, melhores que os Ostrogodos, que ficaram. rsrsr A cultura gótica provocava – e provoca – orgulho em uns e horrores em outros, principalmente em culturas que valorizavam o clássico. Pouco importava ser um clássico milenar, ou já nos dias de maior modernidade, um clássico iluminado ou renascentista. Para muitas dessas pessoas, o que vem dos godos é mau gosto. Aliás tudo que não derivasse dos gregos, do Latim, ou da elite religiosa, era bárbaro, ou seja, tosco, rude, consumptivo e burlesco. O gótico, que não guardava nenhuma herança clássica, ao contrário, rejeitava toda e qualquer referência, era motivo de chacota e zoação nos circuitos romanos e afins. O que de certa forma, ajudou a isolar a cultura por séculos na Península Ibérica. Dentro das terras de Espanha ocorria outro fenômeno pouco estudado, a alta nobreza se afastou para Madri e para a região central da península, ou por assim dizer, se afastou da baixa nobreza, do baixo clero e da plebe rude, fixados em quantidade nas terras hoje conhecidas como Catalunha e em boa dose, em Portugal, mas esse se tornaria independente logo, é outra história...
A
Catalunha,
também
isolada
culturalmente,
manteria
assim
como
Portugal,
O Catalão, desde o começo, se sentia um país independente, ou pelo menos se imaginava, quando os Reis Católicos Isabel e Fernando, que são de fato os fundadores da Espanha, subiram ao poder unificando a ferro e fogo os reinos independentes da região que se saqueavam mutuamente numa série de guerrinhas ridículas e intermináveis. Nomearam-se 'Reis de Espanha' usando esse nome pela primeira vez para englobar toda a península e é claro, sob mais guerrinhas. Elegeram o catolicismo como religião oficial e mais que isso, expulsaram judeus, islâmicos e pagãos. Financiaram Cristóvão Colombo - que era catalão, apesar dos livros dizerem ser ele genovês. O próprio Colombo omitia sua origem para não ter seus planos de viagens refugados pelos reis, que tinham o péssimo hábito de queimarem vivos desafetos em praça pública, sob as mais diversas desculpas. Foram eles, Isabel e Fernando, que inventaram a Inquisição executando pela tortura milhares de pessoas pela Espanha e pelo resto do mundo, em nome do catolicismo. Assentaram o império espanhol além Península Ibérica e estenderam o fracasso das Cruzadas no Oriente Médio por décadas com envio de milhares de soldados e dinheiro. Não consegui referências confiáveis, apenas textos anônimos sobre a viagem dos Reis Católicos à Jerusalém. Certamente são citados aqui apenas para reflexão. Diziam que, por onde Jesus havia caminhado, a rainha Isabel ouvia moradores locais, comerciantes e lideranças para demarcar os lugares 'santos' onde os fiéis deveriam ajoelhar e adorar. Onde ela apontava o dedo corria um servo para fincar uma placa. Assim, aqui nessa curva do rio, João Batista foi batizado, ali estava a manjedoura, aqui foi o local do sermão tal, nesse aqui ressuscitou um, ali curou outro... e assim por diante. Seja como for, Isabel e Fernando, com espada, sangue e fé cega demarcaram também o destino da humanidade, e de quebra, negociaram alguma autonomia para a Catalunha, agora em definito anexada às terras de Espanha. Passaram-se séculos de guerras, conflitos, intrigas, assassinatos e massacres na Espanha e no mundo. A Catalunha perdeu e recuperou sua autonomia, e tornou a perder de novo, que depois recuperou outra vez, mas só em parte, até chegar nos dias de hoje. Na mídia, que não existia antes, os manifestos e pancadarias de um governo violento que não quer abrir mão dessa rica joia da coroa. Sem a Catalunha eles perderiam até o time de futebol do Barcelona. O Espanhol perder a Catalunha é como os Estados Unidos perderem Nova York, como a Austrália perder Sidney, Brasil perder a Bahia ou São Paulo, a França perder Paris, Itália perder a Sicília; Egito perder suas pirâmides. Onde mais teríamos uma obra de Gaudí de 200 anos ainda inacabada?
Contudo,
a
Catalunha
não
pertence
ao
governo
espanhol.
Pertence
a
si
mesma. Em um estudo sobre arte gótica, discutíamos certa vez, as várias tentativas de plebiscitos que aconteceram ali. As lutas catalãs através dos séculos, o espírito livre e de coragem desse povo, etc. Eu pensava em como nossa conversa desviou para rumo tão inesperado, quando a vaidade de um espanhol jogou na minha cara que Niemeyer era o máximo que 'nós' chegaríamos a num 'Gaudí'.
Eu
tive
que
pensar
alguns
segundos
antes
de
responder
a
essa
ofensa
'racial',
porque
o
normal
seria
mandar
esse
cara
tomar
no...
e
fim
de
papo. Uma coisa é urna coisa, e outra coisa é outra coisa, ou seja, um é Niemeyer, o outro é Gaudí. Em comum apenas uma bela e exclusiva arquitetura, nada mais. Homens diferentes, culturas diferentes, talentos diferentes, ideologias diferentes...
'Bem,
quanto
a
você,
eu
disse,
o
mais
próximo
que
chega
de
Gaudí
é
essa
gravata
idiota
que
mais
parece
uma
língua
de
salamandra
com
cólica!' O monumento à Sagrada Família é uma vertente gótica em Barcelona. As catedrais de Colúmbia na Alemanha que rompem o infinito expressam a mesma liberdade. Ser livre não é uma questão de espírito, é uma condição genética. Todo ser vivo é livre. A Catalunha vive e luta por ser livre.
E
daro,
em
um
belo
dia,
assim
o
será
para
sempre. |
Photo by Òmnium Cultural |
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