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Maria Bonita Sexo, Violência e Mulheres No
Cangaço autora Adriana Negreiros editora Objetiva páginas 296 ano 2018 A história dos cangaceiros do sertão nordestino sempre me fascinarou. 'Lampião' e seu bando de um lado, e do outro os macacos cabeças de cuia, mais os coronéis aliados e desaliados com os dois lados e ao mesmo tempo. As escapadas espetaculares, os assaltos que exigiam muita coragem e esperteza. A fé dedicada a Padim Padi Ciço, adorado como santo ainda em vida, as mulheres que se juntando aos bandos num lampejo romântico ou roubadas, e a vida selvagem e livre ao céu do sertão só conquistado por homens e mulheres de paixão e fibra! Bem, essa era a minha visão de adolescente. É pena que a realidade não seja mágica como os sonhos... Meu primeiro contato com as proezas nas caatingas foi ao perguntar meu avô por que seu cachorro mais bravo e querido se chamava Jagunço e o que era isso? Daí descambar para as correrias no cerrado levou não um dedo, mas uma mão cheia de prosa. Meu segundo contato já estava aí, nas estórias dos velhos sobre as peripécias boas e ruins do cangaço. Mas eu só tinha ouvidos para os 'causos' onde homens duros e destemidos lutavam contra o governo corrupto, coronéis ganaciosos e desalmados, e a polícia pior que os próprios cangaceiros. Ah e claro, as belas mulheres que se juntavam ao bando por amor e tesão. Depois vieram as canções que começaram a fazer sentido para mim. "Se entrega Corisco!! Eu não me entrego não!... Só me entrego é na bala de parabelo na mão!!" e "Olê mulher rendeira. Olê mulher rendá. Tu me ensina a fazer renda, eu te ensino a namorar." ou o hit mais popular aqui por nossas bandas, "Acorda Maria Bonita. Acorda vem fazer o café! O dia já está raiando e a polícia já está de pé!" Mais tarde um pouco conheci o Cordel. Foi aí que me esbaldei. Tinha e tem de tudo, para todos os gostos, cores e ideologias. O Cordel nos joga na Idade Média européia sem nos tirar os devices microchipados de hoje. É onde a literatura consegue ser falada, lida, declamada, cantada e interpretada ao mesmo tempo. Mas é isso. A visão popular de eventos passados pela oralidade, por décadas e séculos, às vezes trazendo a carga emocional que pode não ter existido de fato na origem, mas agora retratados no nosso contexto com um pouco de 'criatividade' ou mesmo faltando algum pedaço. O Cordel é empírico, bruto, sentidos à flor da pele, sem rebuscamentos científicos ou estéticos e sem compromisso com a realidade, contudo traz toda a pompa e pujança que a memória do povo guarnece. Tudo que li antes sobre o cangaço trazia essa pegada romanceada e negligente, talvez contagiados ou contagiando o Cordel. Adriana Negreiros, não conseguiu ou não quis fugir disso. Então trouxe-nos o romantismo, as lendas em várias versões, e também pesquisas com boa profundidade sobre documentos, contextos, depoimentos de mortos e vivos, além do panorama rico e simultâneo de eventos fora do nordeste, pelo resto do Brasil e fora do Brasil. Três coisas me chamam a atenção nesse livro "Maria Bonita Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço", o esmero da autora em nos situar quanto aos valores do dinheiro de 50, 60, 80 anos atrás, nos dando ideia efetiva do que poderíamos comprar hoje com esse dinheiro. Isso é fundamental. Não me senti um ET nem tive vontade de correr atrás de um economista para saber quanto valeriam hoje 40 mil réis. Outra coisa boa é que a autora de fato pesquisou. Foi a campo e resgatou velhos registros de jornais e revistas. Tirou dos museus e de fundos de gavetas o que as pessoas viam, ouviam e liam todos os dias naquela época sobre o banditismo no sertão. Trouxe-nos as manchetes, nomes de repórteres, as circunstancias em que fizeram aquelas matérias, como ocorreram os fatos e 'causos' vistos por mais de um par de olhos, e isso não é comum na literatura sobre Lampião e seus camaradas, ou outra qualquer narrativa daquelas paragens. Mesmo o notável Euclides da Cunha entusiasmou-se com um texto empolado e ufânico cuja precisão tornou-se questionável, quando se esperava uma narrativa, digamos, documental. O que mais chama a atenção, e digno de louros, é que a autora consegue passar um 'documentário' bem embasado sobre Maria Bonita e as outras mulheres envolvidas no cangaço, sem ser chata, aborrecida; sem ser cansativa. Não envereda pelo feminismo panfletário nem pela caneta assexuada. Por ser um tema abortado quase que exclusivamente por homens, Adriana teve a sobriedade de não se neutralizar e nem se impor. Ela não empurra aquela quantidade de dados estatísticos pedantes e soporíferos... Sabe? aquelas linhas e linhas que você nem lê, passa os olhos apenas pulando para a próxima. Pois é, nesse livro não tem isso. Dados biográficos, datas, nomes de lugares e tal são passados naturalmente. Não dá nem para senti-los. O texto pedregoso e viscoso dos ensaios e relatórios de labs, teses, monografias e apostilhas de universidades e institutos ou os chavões e bordões mecânicos do jornalismo, graças aos deuses das artes, aqui não acontecem. Outra coisa que gostei, é que, na inevitável profusão de nomes e sobrenomes, a autora quando se depara com um nome já citado páginas atrás, ela cria um link memorial, diz assim "é aquele que fez isso e aquilo" ou "é aquele lugar onde aconteceu isso e isso". Enfim, gostei e gostei muito. Maria Bonita, a Maria de Déa, agora está devidamente revelada. Adriana Negreiros, embora na mídia já um tempo, é o seu primeiro livro... ótimo começo. |
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AUSTRÁLIA MEU AMOR . |